Sobre a plenitude do mundo (1676)

(De Plenitudine Mundi)
G. W. Leibniz
A nº76 início de 1676

Parece-me que todo espírito é onisciente, por um modo confuso; que todo espírito percebe simultaneamente tudo que ocorre no mundo inteiro e que essas percepções confusas de infinitas variedades simultâneas produzem as sensações que possuímos das cores, sabores e sensações táteis. Pois tais percepções consistem, não em um ato do intelecto, mas, em um agregado de infinitos atos, especialmente quando é preciso algum período de tempo para a sensação de alguma cor ou outra coisa perceptível. Mas, o tempo é infinitamente divisível e é certo que a qualquer momento a alma percebe várias coisas, mas a partir destas infinitas confusas percepções, em uma surgem as percepções das coisas sensíveis. Mas, a percepção da existência, do próprio pensamento e de outras coisas daquele tipo acontece em um instante. Além disso, não é surpreendente que qualquer espírito deva perceber o que é realizado no mundo todo, já que não há corpo que seja tão pequeno para sentir todas as demais coisas, tendo em vista a plenitude do mundo. E assim uma variedade maravilhosa manifesta-se desse modo, pois há tantas relações diferentes de coisas como há espíritos, do mesmo modo quando a mesma cidade é observada a partir de vários locais. Então, Deus, pela criação de muitos espíritos, desejou produzir com respeito ao universo aquilo que é desejado por um pintor ao representar uma cidade, que deseja exibir descrições de seus vários aspectos ou projeções. O pintor executa na tela aquilo que Deus realiza no espírito.

Estou mais e mais persuadido que os corpos indivisíveis, desde que não se originam através do movimento, devem ser mais simples e, por isso, esféricos; pois todas as outras formas estão sujeitas à variedade. Então, parece indubitável que existem infinitos átomos esféricos. Caso não existissem átomos, então, dado o plenum, todas as coisas seriam dissolvidas. Um maravilhoso plenum do tipo que exponho é racional, ainda que não consista de nada além de esferas. Pois não há lugar tão pequeno que nele não possa ser presumido que lá exista uma esfera ainda menor. Assumindo que as coisas são assim, não haverá lugar específico que esteja vazio.

Sobre a plenitude do mundo

Contudo, o mundo estará repleto, donde se entende que uma quantidade específica existe. Não pode haver graus diferentes de resistência nos corpos primários e mais simples, pois a causa da variedade deve ser explicada.

Todavia, há um caso no qual a variedade pode ser demonstrada, isto é, a variedade dos globos; admitindo-se a plenitude do mundo é necessário que existam globos menores que outros e assim ao infinito. Deve-se observar se o movimento ao redor de seus próprios centros é atribuível aos glóbulos. Pode-se explicar a associação dos corpos apenas por meio dos glóbulos, sem quaisquer anzóis ou farpas, que são ambos irrelevantes e inconsistentes com a simplicidade e beleza das coisas. Mas a causa da associação é essa: desde que grandes globos não podem ser facilmente separados sem perturbar o movimento dos globos de tamanho médio que os rodeiam, e que não podem vir a ocupar o lugar dos globos maiores, porque as lacunas entre os grandes não são suficientemente grandes, ocorre que apenas os globos menores podem atravessar, mas que o movimento daqueles de tamanho médio é perturbado e todas as coisas estão por assim dizer dispersas, e toda a atmosfera desses globos de tamanho médio é diminuída; o que não ocorreria se os corpos circundantes de tamanho médio pudessem vir a ocupar o lugar dos corpos maiores que os separam e fossem capazes de passar entre seus espaços vazios. É difícil explicar a origem do movimento giratório dos corpos mundanos em torno de seus centros? Talvez possamos pensar que esse movimento giratório é igual àquele de um pião que as crianças lançam [por um movimento de chicoteio] e outras coisas do tipo; isto é, o que acontece é que todas essas coisas não são apenas movidas por outras, mas também giradas. Porém, é maravilhoso como movimentos transferidos em um círculo se dão em movimento em torno do próprio centro da coisa.

Há tantos corpos indivisíveis quanto são os vórtices – isto é, movimentos setores-circundantes que são variados em relação a alguma coisa. Mas, há uma diferença entre um corpo indivisível que está em repouso per se e é movido apenas pelo movimento de outros, e um outro corpo que é movido espontaneamente em uma linha reta e faz com que outras coisas se movam. A menos que admitamos ser provável que qualquer corpo indivisível, seja ele qual for, movimenta-se em alguma linha reta ou outra, tal que nenhuma linha reta possa ser esboçada que não seja paralela à direção de algum corpo indivisível. Aqui, deve-se também discutir se todos os movimentos em qualquer direção devem possuir a mesma velocidade. Ou será que é observada uma certa proporção maravilhosa, tal que as velocidades das coisas movendo-se em várias direções estão em uma relação recíproca às suas magnitudes, e então, cada átomo age com igual força no universo? Isso me parece ser mais belo e consistente com a razão máxima. Então, os átomos pequenos mover-se-ão mais rapidamente.

Não assumo aquela plenitude do mundo no início, mas, apenas isso cuja aceitação é óbvia a qualquer pessoa: que é inteligível que em qualquer lugar em que se mova, ou esteja incluído, algum corpo que é menos que aquele lugar. Admitindo-se esse fato – que não há lugar no qual não exista algum corpo que seja igual ou menor que ele – segue-se que nenhuma parte específica do mundo está vazia. Todavia, não digo por isso que espaço e corpo sejam co-extensivos; pelo contrário, segue-se que eles não são co-extensivos, pois, as esferas, por maior que possa ser suas quantidades, não preenchem um todo. Todavia, todo vazio reunido em um não possui maior razão a qualquer espaço específico que um ângulo de contato tem com uma linha reta.