Convenções utilizadas neste Glossário Leibniz:
DM = Discurso de Metafísica (citação por parágrafo);
M = Monadologia (por parágrafo);
SN = Sistema Novo da Natureza (por parágrafo);
Correspond. = Correspondências com Arnauld ou von Hessen-Rheinfels.
Ação:
A ação é a operação da força de agir própria das substâncias. Ela define a substância como essencialmente ativa. Apenas Deus age sem sofrer a ação de outrem. Nas substâncias finitas, a ação é inseparável da paixão. Estando todas as coisas reguladas idealmente umas às outras pela harmonia, a uma ação em uma deve corresponder uma paixão nas outras. [M. 49-52; DM 15]
Acidente:
Uma qualidade de uma substância que não faz parte de sua essência (M7).
Agregado:
É um conjunto resultante de elementos ou indivíduos justapostos que não formam um ser (ou aquilo que Leibniz denomina, seguindo a tradição, uma substância, mas, um simples conjunto de seres. Um agregado não é por si, mas, por acidente. Por exemplo: um exército, uma tropa, um colar de pérolas, um monte de pedras. [M 2; Correspond. 57-67]
Alma:
Uma substância simples que desfruta de percepções distintas e possui memória (M19). Almas também dotadas de razão são mentes. A alma é uma realidade imaterial e dinâmica que funda a unidade e a identidade de um vivente, a alma é um princípio de vida e de unidade para um corpo orgânico. Substância simples, princípio ativo, pode-se denominar também forma ou força primitiva, tardiamente, enteléquia. Ela é a fonte da ação. As almas comuns são os espelhos vivos que expressam o universo. As almas racionais ou espíritos são as imagens de Deus. [M. 14, 18, 62-67, 70-90; DM. 26-37; SN 14]
Animal:
Uma substância corpórea, dotada de órgãos sensoriais que lhe dão percepções distintas (M25). Os animais também são dotados de memória (M26) e imaginação (M27). Animais não racionais são chamados de bestas; animais racionais são seres humanos.
Aniquilação:
Um processo sobrenatural pelo qual substâncias deixam de existir (M6). O oposto da criação.
Apercepção:
Consciência de uma percepção (M14). Consciência reflexiva do estado interior, a apercepção acompanha as percepções distintas. Ato pontual, a apercepção acrescenta-se, então, à percepção, permanente atividade expressiva do mundo a partir de um ponto de vista individual. Em resumo, percepção consciente. [M. 14, 19, 23, 29-30]
Apetição, inclinação:
A ação do princípio interno de mudança dentro de cada mônada, que a conduz de um conjunto de percepções para outro (M15); o princípio de mudança interna. É regida pelas leis das causas finais do bem e do mal. A apetição exprime a mobilidade das almas, as quais não estão jamais em repouso e tendem continuamente a uma melhor harmonia interior. [M. 15, 79]
A posteriori:
Prova ou conhecimento envolvendo raciocínio do efeito à causa (M45).
A priori:
Prova ou conhecimento envolvendo raciocínio da causa ao efeito (M50).
Besta:
Um animal não racional, dotado de memória e sensação (M14).
Causa e razão:
Uma causa é uma razão real que reside em um ser real cuja ação explica por que uma coisa (um fenômeno, um acontecimento) existe e é o que é. A razão suficiente é o conjunto das condições requeridas para a produção de um ser ou de um acontecimento (ou seja, a variação do ser). [M. 56; DM. 14; Correspond. 32-45]
Cidade de Deus:
A comunidade moral de todas as mentes, incluindo as dos humanos e gênios, sob o governo de Deus (M85).
Compossibilidade:
Esfera lógica mais restrita que aquela da possibilidade lógica. Para que algo exista não é suficiente que seja possível; é necessário que aquela coisa seja compossível com outras que constituem o mundo real.
Composto:
Um agregado de mônadas (M2).
Contingência:
Contingente significa aquilo que não é necessário e cujo oposto é possível porque não implica contradição. Todos os seres, exceto Deus, são contingentes: suas existências não decorrem de suas essências. Porém, as proposições, as verdades, são necessárias ou contingentes. As proposições necessárias podem ser reduzidas a proposições idênticas, tais como A = A; já as proposições contingentes não podem, por um número finito de operações, ser reduzidas a identidades.
Criação:
Um processo sobrenatural pelo qual substâncias são trazidas à existência (M6). O oposto de aniquilação.
Denominação intrínseca:
Uma qualidade intrínseca a uma substância (M9).
Destino:
Não se trata de um poder misterioso que fixaria antecipadamente todos os acontecimentos, mas, um encadeamento inevitável das coisas e dos acontecimentos que decorre de uma escolha livre de Deus. Há uma escolha na criação, a qual implica uma série infinita de conseqüências previstas por Deus como envolvidas na Sua livre escolha. Deus prevê, por exemplo, a traição livre de Judas. O traidor, contudo, é responsável por seu ato. Deus é responsável pela escolha desse universo que contém Judas. Há, por conseguinte, uma co-responsabilidade entre o homem e Deus nas ações livres. [DM 8]
Deus:
Deus é o nome que se dá, habitualmente, à razão última das coisas; a um ser existente em ato e exterior à série de coisas existentes e que possui a responsabilidade de atualizá-las. [M. 43-48; DM 1-6]
Enteléquia:
É uma palavra formada a partir do grego entelecheia segundo a qual Aristóteles designou o ato, no sentido de uma realização, de uma perfeição. O termo é inicialmente citado como exemplo de uma noção obscura, mas Leibniz o utiliza muito tarde como sinônimo de força metafísica primitiva, aquela força de agir constitutiva da substância. [M.18, 48, 63, 70]
Espírito:
Um espírito é uma alma virtualmente reflexiva, uma substância capaz de agir por si mesma; portanto, capaz de referir-se e de conversar com outros espíritos. [DM 36]
Expressão:
Correspondência meramente formal, tal como uma analogia matemática, entre realidades diversas ou mesmo heterogêneas: basta que existam relações ou propriedades em uma coisa que correspondam às relações ou propriedades de uma outra para que possamos afirmar que uma exprime a outra. [M. 56-57, DM. 14, 16; Correspond. 91-105]
Geração:
O desenvolvimento e crescimento do corpo de um animal a partir de um estado pré-formado (M73).
Gênio:
Uma mente sobre-humana, como um anjo (M72).
Harmonia pré-estabelecida:
A correspondência perfeita entre os estados do corpo e os estados da alma, provocada pelo corpo e pela alma seguindo suas próprias leis (M78). É a justa proporção, a unidade na multiplicidade ou a diversidade compensada pela identidade. Descobrir prazer em alguma coisa é vivenciar sua harmonia, sua variedade contrabalançada pela semelhança. Deus é, Ele mesmo, princípio de beleza e harmonia das coisas. A harmonia é, portanto, o objeto natural de amor. No sistema da harmonia, da concomitância ou hipótese dos acordos, todas as coisas e acontecimentos do universo conspiram em conjunto para o mais belo. [M. 56; DM. 9, 15; SN. 14-15]
Ideia simples:
Um conceito primário não suscetível a análises posteriores (M35).
Idêntico:
Uma proposição é dita idêntica quando o predicado está contido, expressamente, no sujeito.
Indivíduo:
Tradução do grego atomon (indivisível), o termo indivíduo designa o ser singular, único, diferente dos demais, correspondendo ao termo escolástico species infima ou à substância primeira de Aristóteles. [M. 9; DM. 8]
Inerência:
Tudo aquilo que é dito de forma verídica de qualquer coisa é inerente à noção daquela coisa.
Liberdade, livre arbítrio:
Definido negativamente por Leibniz, o livre arbítrio opõe-se ao que é restrito, à ignorância e ao erro, que reduzem ou eliminam a possibilidade positiva de fazer o que se deseja. Portanto, liberdade ou livre arbítrio não devem ser confundidos com um poder mágico, como viria a ser uma vontade superior à inclinação e indiferente às apetições e percepções. [DM. 13, 30]
Mal:
Relativo ao bem, que o limita ou enfraquece, o mal não possui realidade clara. Sua natureza é relativa ou privativa: “o mal é uma privação do ser, ao passo que a ação de Deus é positiva” (Teodicéia § 29). Leibniz o compara com a inércia natural dos corpos. Sem realidade ontológica, corresponde a uma limitação de perfeição do ser. O mal, estritamente falando, não é nada.
Matéria:
Designa o constituinte passivo de tudo que existe. Como princípio passivo de resistência e de impenetrabilidade, ela supõe formas ativas tais como as almas. Considerada à parte de todas formas, almas ou forças ativas, é apenas uma abstração. Unida a uma forma substancial ou alma, a matéria forma uma substância verdadeiramente una; uma unidade per si. [M. 4, 65-67]
Melhor:
Fim último de todas as coisas, o melhor é aquilo que é desejado por Deus. Conforme um decreto de Deus que as cria à sua imagem, o melhor é igualmente desejado por todas as criaturas, mas, somente na medida de suas capacidades perceptivas ou afetivas, isto é, mais ou menos confusamente. [M. 55]
Mente:
Uma alma que possui razão e uma identidade moral (M29).
Mônada:
Uma mônada (do grego monas, unidade) é uma unidade por si mesma, analisável em princípio ativo denominado alma, forma substancial ou enteléquia e em um princípio passivo dito massa ou matéria primeira. A mônada encerra um tipo de percepção e de apetição. É uma substância simples, sem partes. Toda mônada é um espelho vivo do universo, a partir de seu ponto de vista. Já que tudo que existe é uma mônada, um composto de mônadas, estas são átomos substanciais. [M. 1-21] Mônadas são primitivas ou derivadas (isto é, criadas). A mônada primitiva é Deus.
Leibniz distingue três tipos de mônadas com base em suas capacidades representacionais.
– O tipo mais baixo de mônada (mônadas ‘nuas’ ou almas ‘vegetativas’) só tem percepções tão fracas e confusas que são incapazes de desfrutar de representações distintas e conscientes. Leibniz as compara às nossas mentes quando estamos em sono profundo ou atordoados.
– O nível intermediário de mônada (mônadas sensíveis ou almas animais) tem percepções que lhes permitem desfrutar de representações conscientes de entidades distintas.
– O nível mais alto de mônada (mentes ou almas humanas) desfruta de pensamentos de ordem superior. Em virtude de tais pensamentos de ordem superior, as mentes são capazes de pensar sobre suas percepções, sobre si mesmas e sobre verdades necessárias.
Morte:
Nos animais, o processo de envolvimento e diminuição do corpo (M73), resultando em um estado no qual a alma tem apenas pequenas percepções (M21).
Necessidade:
É necessário aquilo que não pode não ser. Deve-se distinguir entre uma necessidade absoluta e uma necessidade hipotética. É necessário absolutamente aquilo cujo contrário é impossível, isto é, que implica contradição. Por exemplo, o triângulo possui necessariamente três ângulos. É necessário hipoteticamente aquilo que é a conseqüência necessária de uma decisão contingente. Assim, supondo-se que Deus criou o mundo no qual Judas trairá o Cristo, é certo que Judas trairá o Cristo. Mas não é necessário que Deus tenha criado tal mundo contendo Judas: Sua decisão de criar sendo livre e contingente, o que não significa que seja arbitrário ou sem razão. Por conseqüência, um outro Judas é concebível, não-contraditório.
Noção completa:
A noção completa contém tudo aquilo que pode ser dito, afirmado ou enunciado de um indivíduo: ela é capaz de estabelecer a distinção entre todos os indivíduos semelhantes. [DM. 8, 13, 24; Correspond. 6-10]
Orgânico:
Que possui órgãos infinitamente estruturados (M63).
Percepção:
A percepção é a ação própria de toda Alma ou substância que consiste em expressar o universo sob um determinado ponto de vista. Ela envolve uma múltipla unidade interna, que expressa ao mesmo tempo o universo; corresponde a um esforço da substância. A percepção, índice da existência, é sempre confiável como percepção imediata e as experiências iniciais são as primeiras verdades de fato. Assim, uma representação envolve uma relação isomórfica entre a coisa representativa e a coisa representada. Percepção é o estado básico de uma mônada. [M. 14-17, 21, 23, 63; DM. 33]
Percepção distinta:
Uma percepção cujas partes podem ser distinguidas umas das outras (M19).
Perfeição:
A perfeição é a realidade em sua intensidade positiva, suas afirmações essenciais. A cada grau de perfeição corresponde um grau de poder e, correlativamente, uma certa limitação. Ao grau superior de perfeição corresponde um poder infinito, sem limites: aquele de Deus. Toda perfeição provém de Deus que continuamente produz aquilo que há de positivo, de bom, de perfeito, nas criaturas; as imperfeições são atribuíveis a uma limitação original de toda criatura. [M. 41-42, 54; DM. 1-6]
Plenum:
Espaço que é inteiramente cheio de matéria (M8).
Possível:
A essência ou a possibilidade de um ser é sua capacidade de ser pensado, o conteúdo nocional que Deus pôs na existência ao criar a substância. As proposições que dizem respeito às essências são as verdades eternas. Os possíveis dependem somente do entendimento divino, enquanto que as coisas atuais dependem também de sua vontade. A ciência dos possíveis é a ciência da inteligência pura, enquanto que a ciência das coisas atuais (do mundo trazido à existência) é denominada ciência da visão. [M. 43, 57]
Predeterminação:
A doutrina da predeterminação é uma doutrina delicada, inseparável daquela da contingência, onde Leibniz tenta evitar o necessitarismo e preservar o livre arbítrio das criaturas mantendo, ao mesmo tempo, a presciência e a providências divinas. Deus prevê as futuras escolhas das criaturas; prevê, assim, sua predeterminação futura, que não necessita: dá à vontade humana sua eficácia, pois é o concurso de Deus às operações humanas. [DM. 4, 8, 13]
Princípio da contradição:
Um híbrido de dois princípios: (1) que aquilo que contém uma contradição é falso, e (2) que o verdadeiro é aquilo que não é falso (M31).
Princípio de razão:
Princípio segundo o qual nada (seja um fato ou uma verdade) existe que não tenha uma razão suficiente (completa) pela qual é assim e não de outra forma (M32). A razão não é, então, outra coisa que a série infinita dos requisitos dos fatos, que envolve o universo em sua integralidade (passado, presente e futuro), como os decretos de Deus relativos à existência do mundo. [M. 27-39; DM. 8, 31]
Proposição idêntica:
Uma tautologia (M35).
Razão:
A razão é, primeiramente, uma realidade imaterial que produz pela sua ação, uma ligação, uma conexão, entre ela e um acontecimento ou uma coisa. A razão é, também, a capacidade espontânea de apreensão das razões e relações dos espíritos. Deus é a razão última das coisas.
Realidade:
O estado de possuir qualidades; quanto mais qualidades, ou quanto maior o grau de sua expressão, maior o grau de realidade (M40).
Reino da graça:
O mundo moral ou Cidade de Deus, isto é, a comunidade de todas as mentes (M87).
Reino da natureza:
O mundo físico de objetos operando de acordo com as leis da natureza, como as leis do movimento (M87).
Substância:
Ser individual concreto e completo que responde a um possível ponto de vista sobre o universo e que Deus tornou efetivo através da criação. Toda substância está perpetuamente agindo e atuando, com o concurso de Deus, encontrando-se suas operações internas coordenadas com as operações das demais substâncias, o que forma um sistema de substâncias: o universo. Uma substância distingue-se de um agregado por um princípio de unidade que lhe permite permanecer o que é através da contínua mudança de suas operações e modificações. [M. 1-2, 16; DM. 8, 14, 16, 34]
Substância corpórea:
Corpo orgânico consistindo de um agregado de mônadas unificadas por uma enteléquia ou alma dominante (PNG1).
Substância simples:
Uma substância sem partes (M1).
Verdade:
Proposições cujo conceito do predicado está contido no conceito do sujeito. O modelo da proposição verdadeira mais simples é uma identidade (A é A). O lugar natural dessas proposições é o entendimento de Deus, região das verdades. Todas as verdades ou bem são verdades de fato, ou bem são verdades da razão. [M.29-36; 43-46; DM. 13; Correspond. 23-32]
Verdade de fato (ou verdade contingente):
Uma verdade cujo oposto é possível (M33).
Verdade de razão (ou verdade necessária):
Uma verdade cujo oposto é impossível (M33).