Ensaios de Teodicéia (parágrafos escolhidos)
G. W. Leibniz
T. prefácio: “As perfeições de Deus são aquelas de nossas almas, mas, Ele as possui em ilimitada medida; Ele é um Oceano, do qual apenas gotas nos são concedidas; há, em nós, algum poder, algum conhecimento, alguma bondade, mas, em Deus estão em sua inteireza. Ordem, proporções, harmonia nos encantam; (…) Deus é todo ordem; Ele sempre mantém a verdade das proporções, Ele torna a harmonia universal; toda beleza é uma efusão de Seus raios.”
T.8: “Ora, essa suprema sabedoria, aliada a uma bondade que é infinita, não pode escolher exceto o melhor. Pois, tal como um mal menos é um tipo de bem, também um bem menos é um tipo de mal se é um obstáculo a um bem superior; e haveria algo a corrigir nas ações de Deus se fosse possível fazer melhor. Como nas matemáticas, quando não há máximo nem mínimo, em resumo, nada haveria a distinguir, tudo é feito de modo igual; ou quando aquilo não é possível, nada é feito: então, pode-se afirmar o mesmo com respeito à sabedoria divina (que não é menos ordenada que as matemáticas) que se não houvesse o melhor (optimum) entre todos os mundos possíveis, Deus não teria produzido.”
T. 9: Pois deve-se reconhecer que todas as coisas estão ligadas em cada um dos mundos possíveis: o universo, qualquer que seja, é todo da mesma espécie, como um oceano: o menor movimento estende seus efeitos a qualquer distância, muito embora esses efeitos se tornem menos perceptíveis na proporção da distância. Nisto Deus ordenou, de uma vez por todas, a totalidade as coisas de antemão, tendo previsto os rezadores, as boas e as más ações e todo o resto; e cada coisa enquanto uma idéia contribuiu, antes de sua existência, para a resolução que foi tomada sobre a existência de todas as coisas; de modo que nada pode ser alterado no universo (ainda que em número) exceto sua essência ou, se tu desejares, exceto sua individualidade numérica. Assim, se o menor dos males que ocorre no mundo não ocorresse, não mais teríamos este mundo; que, nada se omitindo e tudo se considerando, foi tido o melhor pelo Criador que o escolheu.
T.10: A aniquilação de tudo o que propriamente nos pertence, levada bastante longe pelos Quietistas, poderia muito bem ser considerada por alguns como uma impiedade disfarçada. Por exemplo, o que se relata sobre o Quietismo de Foë, (originador de uma grande seita chinesa): após pregar sua religião por quarenta anos e, sentindo a morte se aproximar, declarou a seus discípulos que lhes havia ocultado a verdade sob o véu de metáforas e que tudo se reduzia ao nada, o que, segundo ele, era o primeiro princípio de todas as coisas. Isso pareceu ainda pior do que a opinião dos Averroístas. Ambas as doutrinas são insustentáveis e até fantasiosas, no entanto, alguns modernos não tiveram dificuldade em adotar essa alma universal e única que engolfa todas as outras. Tal ideia encontrou grande aprovação apenas entre os chamados “livres-pensadores”, e o Sr. de Preissac, um soldado e homem erudito que se aventurava na filosofia, exibiu-a publicamente em seus discursos.
O sistema da harmonia preestabelecida é o mais capaz de sanar esse mal. Pois demonstra que há necessariamente substâncias simples e sem extensão espalhadas por toda a natureza, que essas substâncias devem sempre subsistir independentemente de todas as outras, exceto Deus, e que nunca estão separadas de um corpo organizado. Aqueles que acreditam que as almas capazes de sentir, mas incapazes de raciocinar, são mortais, ou que sustentam que apenas as almas racionais podem ter sensibilidade, entregam a vitória aos Monopsiquistas. Pois sempre será difícil convencer os homens de que os animais não sentem nada, e uma vez que se admite que o que é capaz de sentir pode perecer, é difícil manter pela razão a imortalidade de nossas almas.
T. 20: Os antigos atribuíam a causa do mal à matéria, que acreditavam não ser passível de criação e independente de Deus: mas nós, que derivamos tudo d’Ele, onde encontraremos a fonte do mal? A resposta é que ela deve ser buscada na natureza ideal da criatura, na medida em que essa natureza está contida nas verdades eternas que estão no entendimento de Deus, independentemente de Sua vontade. Pois devemos considerar que há uma imperfeição original na criatura antes do pecado, porque a criatura é limitada em sua essência; donde resulta que ela não pode conhecer tudo e que pode se enganar e cometer outros erros.
T. 36: Os filósofos atualmente concordam que a verdade dos futuros contingentes é determinada, ou seja, que os futuros contingentes são futuros, ou que serão, que ocorrerão: pois é tão certo que o futuro será, quanto é certo que o passado foi. Há cem anos já era verdade que eu estaria hoje a escrever, como daqui a cem anos, será verdade que agora escrevi. Assim, o contingente não é menos contingente porque é futuro; e determinação, que se denominaria certeza se fosse conhecida, não é incompatível com a contingência.
T. 37: Essa determinação [das contingências] advém da própria natureza da verdade e não pode ferir a liberdade (…) Essa verdade que afirma que eu deverei escrever amanhã não é daquela natureza, não é necessária. Mas supondo-se que Deus a antevê, é necessário que ela ocorra; isto é, a conseqüência é necessária, ou seja, que ela exista, já que foi antevista; pois Deus é infalível. Isto é o que se denomina uma necessidade hipotética. Mas nosso interesse aqui não é com esta necessidade: para que se afirme que uma ação é necessária, que não é contingente, que não é o efeito de uma livre escolha, exige-se uma necessidade absoluta. Além disso, vê-se facilmente que o pré-conhecimento em si mesmo nada acrescenta à determinação da verdade dos futuros contingentes, salvo que essa determinação é conhecida: e isso não aumenta a determinação ou a “futurização” (como é denominado) dos eventos, com que concordamos no início.
T. 44: Devemos considerar que há dois grandes princípios dos nossos argumentos. Um é o princípio da contradição, estabelecendo que de duas proposições contraditórias uma é verdade e a outra falsa; o outro princípio é aquele da razão determinante (cont. §32). Tal princípio estabelece que nada acontece sem que haja uma causa ou, ao menos, uma razão determinante, isto é, algo que forneça uma razão a priori por que existe em vez de não existir e deste modo e não de qualquer um outro. Este grande princípio impõe-se a todos os eventos (…)
T. 54: Poder-se-á dizer também que, se tudo está ordenado, Deus não pode, então, executar milagres. Porém, deve-se ter em mente que os milagres que ocorrem no mundo eram também abarcados e representados como possíveis neste mesmo mundo considerado no estado de mera possibilidade; e Deus, que desde então os tem executado, quando escolheu este mundo então (…)
T. 64: Pois há na alma não apenas uma ordem de percepção distinta, formando seu domínio, mas também uma série de percepções e paixões confusas, formando seu conhecimento, e não há necessidade de nos assombrarmos com isto; a alma seria uma Divindade se nada mais tivesse exceto percepções claras.
T.65: As sensações externas, propriamente falando, não nos enganam. É o nosso sentido interno que muitas vezes nos faz avançar de forma precipitada, o que também acontece com os animais, como quando um cachorro late para o seu reflexo no espelho. Pois os animais têm sequências de percepção que imitam o raciocínio e que também ocorrem no sentido interno dos humanos, quando estes agem meramente como empiristas. Contudo, os animais não fazem nada que nos obrigue a pensar que possuem algo que mereça ser chamado propriamente de uma faculdade de raciocínio, como já demonstrei em outro lugar.
Agora, quando o entendimento usa e segue a decisão errada do sentido interno (como quando o famoso Galileu pensou que Saturno tinha duas alças), ele é enganado pelo julgamento que faz sobre os efeitos das aparências, inferindo delas mais do que elas realmente implicam. Pois as aparências dos sentidos não nos prometem, de forma absoluta, a verdade das coisas, da mesma forma que os sonhos também não o fazem. Somos nós que nos enganamos pelo uso que fazemos dessas aparências, ou seja, por nossas sequências de raciocínio.
O fato é que nos deixamos ser induzidos em erro por argumentos prováveis, inclinando-nos a pensar que os fenômenos que encontramos frequentemente conectados estão sempre assim conectados. Assim, como geralmente acontece que o que parece não ter ângulos realmente não os tem, estamos prontos a acreditar que isso é sempre verdade. Tal erro é desculpável e, às vezes, inevitável, quando há necessidade de agir prontamente e escolher a opção mais aparente; mas, quando temos o tempo e o lazer para organizar nossos pensamentos, estamos em falta se tomamos como certo aquilo que não é.
É, portanto, verdade que as aparências frequentemente são contrárias à verdade, mas o nosso raciocínio nunca o é quando é conduzido de forma precisa e de acordo com as regras da arte de raciocinar. Se por “razão” se entende, em geral, a faculdade de raciocinar bem ou mal, admito que ela pode nos enganar e, de fato, frequentemente nos engana, e que as aparências do nosso entendimento são muitas vezes tão enganosas quanto as dos sentidos. Mas, aqui, trata-se da conexão de verdades e objeções de forma correta, e, nesse sentido, é impossível que a razão nos engane.
T.70: Parece que o Sr. Descartes também concede, em uma passagem de seus Princípios, que é impossível resolver as dificuldades relacionadas à divisão da matéria até o infinito, embora ele reconheça que essas dificuldades são reais. Rodrigo de Arriaga e outros escolásticos fazem praticamente a mesma admissão, mas, se tivessem se dado ao trabalho de apresentar as objeções na forma que deveriam, perceberiam que há erros na conclusão e, às vezes, suposições falsas que causam problemas. Aqui está um exemplo: um homem inteligente um dia me fez a seguinte objeção:
Seja a linha reta BA dividida em duas partes iguais no ponto C, e a parte CA dividida no ponto D, e a parte DA no ponto E, e assim por diante até o infinito; todas as metades, BC, CD, DE e assim por diante, juntas formam o todo BA, então deve haver uma metade final, já que a linha reta BA termina em A. Mas a ideia dessa metade final é absurda, pois, sendo uma linha, seria possível dividi-la novamente em duas partes. Portanto, a divisão até o infinito não pode ser admitida.
Mas eu lhe apontei que não há justificativa para inferir que deve haver uma metade final, embora haja um ponto final em A, pois esse ponto final se aplica a todas as metades do seu lado. E meu amigo reconheceu isso ele mesmo ao tentar provar essa inferência por meio de um argumento formal: ao contrário, mesmo que a divisão continue até o infinito, não há uma metade final. E, embora a linha reta AB seja finita, não se segue que sua divisão tenha um término final.
O mesmo problema ocorre na série de números que continuam até o infinito. Concebe-se um último termo, um infinito ou infinitamente pequeno, mas essas coisas não passam de ficções. Todo número é finito e atribuível; toda linha também é assim, e os infinitos ou infinitamente pequenos significam apenas magnitudes que podem ser consideradas tão grandes ou tão pequenas quanto se deseje, para mostrar que um erro é menor do que o atribuído, ou seja, que não há erro. Alternativamente, pelo infinitamente pequeno entende-se o estado do ponto de desaparecimento ou início de uma magnitude, concebido com base em magnitudes já formadas.
T. 80: Pois é suficiente considerar que Deus, tanto quanto toda mente sábia e beneficente, está inclinado para todo bem possível e que essa inclinação é proporcional à excelência do bem.
T.87: <Há uma longa> disputa filosófica acerca da origem das formas. Aristóteles e a filosofia escolástica após ele denominam forma aquilo que é um princípio de ação e está baseado naquilo que age. Esse princípio intrínseco ou é substancia, sendo então denominado “Alma” (quando está em um corpo orgânico) ou é acidental, e costumeiramente denominado “Qualidade”. O mesmo filósofo deu à alma a denominação genérica de “Enteléquia” ou Ato. Este termo, “Enteléquia”, obviamente tem sua origem no termo grego que significa “perfeito”, e daí, o célebre Hermolau Barbarus o expressou literalmente, em latim, por perfectihabia: pois Ato é uma realização da potência (…) Aristóteles supôs haver dois tipos de Ato: o ato permanente e o ato sucessivo. O ato permanente ou duradouro nada mais é que a Forma Substancial ou Acidental: a forma substancial (como, por exemplo, a alma) é completamente permanente, ao menos de acordo com o meu juízo, e o acidental apenas o é por um tempo. Mas o ato completamente momentâneo, cuja natureza é transitória, consiste na própria ação. Alhures demonstrei que a noção de Enteléquia não está totalmente desprezada e que, sendo permanente, traz consigo não uma simples faculdade de ação, mas também aquilo que é denominado “força”, “esforço”, “conatus”, a partir do que a própria ação deve decorrer se nada a impede. A faculdade é apenas um atributo ou antes, às vezes, um modo; mas, a força, quando não é um ingrediente da própria substância (isto é, força que não é primitiva mas derivativa), é uma qualidade que é distinta e separável da substância. Demonstrei também como se pode supor que a alma é uma força primitiva que é modificada e variada por forças ou qualidades derivativas, e exercida nas ações.
T.89: “Os acidentes são apenas modificações da substância e sua origem pode ser explicada por edução, isto é, por variação de limitações, do mesmo modo que a origem dos formatos. Mas, a questão é outra quando estamos interessados na origem de uma substância, cujo início e destruição são igualmente difíceis de explicar.”
T. 90: Como a formação de corpos orgânicos animados parece explicável na ordem natural a penas quando se assume uma pré-formação já orgânica, eu daí inferi que aquilo que denominamos geração de um animal é apenas uma transformação e acréscimo. Assim, desde que o mesmo corpo já estava suprido com órgãos, deve-se supor que já era animado e que possuía a mesma alma: portanto, assumo, vice-versa, da conservação da alma quando uma vez criada, que o animal também é conservado e que aquela morte aparente é apenas um encobrimento, não havendo probabilidade de que na ordem natural as almas existam inteiramente separadas de todo corpo ou que aquilo que não tem início naturalmente possa cessar por meio de forças naturais.
T. 147: Deus ao conceder a inteligência ao homem o presenteou com uma imagem da Divindade. Ele o deixou a si mesmo, em um sentido, em seu pequeno departamento… Lá a liberdade desempenharia seu jogo: e Deus (por assim dizer) (…)
T. 169: Epicuro, para preservar a liberdade e evitar uma necessidade absoluta, sustentou, após Aristóteles, que os futuros contingentes não eram susceptíveis de determinar a verdade. Pois se era verdade ontem que eu hoje estaria a escrever, então, isso não deixaria de ocorrer, já seria necessária; e, pela mesma razão, seria desde toda eternidade. Assim, não aquilo que ocorre é necessário e é impossível que algo diferente ocorra. Mas, desde que não seja decorreria, de acordo com ele, que os futuros contingentes não determinam a verdade. Para sustentar essa opinião, Epicuro chegou a negar o primeiro e maior princípio das verdades de razão; negou que toda asserção ou era verdadeira ou falsa. Aqui está o modo pelo qual eles o confundiam: “Tu negas fosse verdade ontem que eu deveria escrever hoje; por isso, era falso”. O bom homem, não sendo capaz de admitir essa conclusão, foi obrigado a afirmar que não era nem verdadeiro nem falso. Após isso, ele não precisou de refutação (…)
T.170: “Deve ser sustentada a possibilidade de coisas que não ocorrem. A necessidade das coisas atuais não é absoluta, mas, simplesmente uma necessidade ex hypothesi. (…) Está em aberto a questão se o passado é mais necessário que o futuro. (…) A simples necessidade hipotética de ambos é a mesma: o primeiro não pode ser alterado; o segundo não o será.”
T.174: “Ele [Bayle] confunde o que é impossível por implicar contradição com aquilo que não pode acontecer por não ser apropriado escolher. É verdade que não há contradição em supor que Espinosa morreu em Leyden e não em Haia [como de fato morreu]; nada haveria de mais possível: a questão foi, por isso, indiferente a respeito do poder de Deus. Mas, não se deve supor que qualquer evento, por menor que seja, pode ser considerado como indiferente a respeito da sabedoria e bondade de Deus. Jesus Cristo disse que tudo está contado, até os fios de cabelos em nossa cabeça. Assim, a sabedoria de Deus não permite que esse evento, ao qual Bayle se refere, aconteça de modo diverso do que aconteceu.”
T. 184: Pois, em minha opinião, é o entendimento divino que constitui a realidade das verdades eternas, embora a vontade de Deus nisso não tome parte. Toda realidade deve estar fundada em algo existente. É verdade que um ateu pode ser geômetra; mas, caso não houvesse Deus, a Geometria não possuiria objeto. E sem Deus, não só não haveria existentes, como também nada seria possível.
T. 195: Alguém dirá que é impossível produzir o melhor pois não há criatura perfeita e que sempre é possível produzir algo que seria mais perfeito. Respondo que aquilo que pode ser afirmado de uma criatura ou de uma substância particular, que sempre pode ser excedida por uma outra, não deve ser aplicado ao universo, que (já que deve se estender através de toda eternidade futura) é uma infinidade. Ademais, há um número infinito de criaturas na menor parte da matéria em razão da divisão [atual] do continuum à infinidade. E a infinidade, isto é, a acumulação de um número infinito de substâncias, não é, propriamente falando, um todo mais do que o próprio número infinito, do que não se pode dizer se é regular ou irregular. Isto é o que serve para confundir aqueles que fazem do mundo um Deus ou que pensam em Deus como a Alma do mundo, pois o mundo ou o universo não pode ser considerado como um animal ou como uma substância.
T.201: Pode-se afirmar que, caso pudéssemos compreender a estrutura e a economia do universo, perceberíamos que ele é constituído e direcionado tal como o mais sábio e virtuoso poderia desejar, desde que Deus não pode deixar de assim agir. Contudo, essa necessidade é apenas de uma natureza moral; e admito que se Deus fosse forçado por uma necessidade metafísica a produzir aquilo que Ele cria, produziria todos os possíveis ou nada; e nesse sentido a conclusão do senhor Bayle estaria plenamente correta. Mas, como nem todos os possíveis são compatíveis em uma e mesma seqüência de mundo, por esta mesma razão todos os possíveis não podem ser produzidos e deve-se afirmar que Deus não é forçado, metafisicamente falando, na criação desse mundo. Poder-se-ia dizer que tão logo Deus determinou criar algo houve uma luta entre todos os possíveis, todos eles postulando a existência e aqueles que, em harmonia, produziram maior realidade, maior perfeição, maior significância, triunfaram. É verdade que toda essa luta pode apenas ser ideal, isto é, pode tão somente ser um conflito de razões no mais perfeito entendimento (o Divino), que não pode deixar de agir do modo mais perfeito e, por conseqüência, escolher o melhor. Mas, Deus está limitado por uma necessidade moral a fazer coisas de uma tal maneira que nada possa haver de melhor: de outro modo, não só outros teriam razão em criticá-Lo pelo que fez, mas, em acréscimo, Ele mesmo não estando satisfeito com Sua obra, iria censurar-se por aquela imperfeição. E isso se choca com a suprema felicidade da natureza divina.
T. 206: Como Deus não pode fazer nada sem razão, mesmo quando Ele age milagrosamente, segue-se que Ele não possui vontade acerca de eventos particulares exceto o que resulta de alguma verdade geral ou vontade. Assim, eu diria que Deis nunca possui uma vontade particular tal como sugere Malebranche, isto é, uma vontade particular primitiva.
T. 208: Os meios de Deus são os mais simples e uniformes: pois Ele escolhe leis que mutuamente menos se restringem. Elas são, também, as mais produtivas em proporção à simplicidade de modos e meios. É como se disséssemos que uma certa casa é a melhor que pôde ter sido construída a um determinado custo. Na verdade, poder-se-ia reduzir essas duas condições (simplicidade e produtividade) a uma única circunstância favorável que é produzir tanta perfeição quanto possível (…). Mesmo se o efeito fosse admitido como sendo maior, mas, o processo menos simples, penso que se poderia afirmar, ao final, que o próprio efeito teria sido inferior, considerando não só o efeito final, mas, também, o efeito mediato. Pois a mente mais sábia assim atua, na medida do possível, que os meios são também, de certo modo, fins, ou seja, são desejáveis não só devido ao que fazem, mas, pelo que são. O processo mais complexo toma mais base, mais espaço, mais lugar, mais tempo que poderia ter sido melhor empregado.
T.225: A infinidade de possíveis, por maior que possa ser, não é tão grande quanto a sabedoria de Deus, que conhece todos os possíveis. Pode-se mesmo afirmar que se essa sabedoria não excede os possíveis extensivamente, já que os objetos do entendimento não podem ir além dos possíveis, que em um sentido é somente inteligível, então, os excede intensivamente, por causa das infinitas combinações que faz disso e das suas muitas deliberações a elas relativas.
T. 360: É uma das regras do meu sistema de harmonia geral que o presente está prenhe do futuro e que aquele que tudo vê, vê naquilo que é e naquilo que será. O que é mais, demonstrei conclusivamente que Deus vê em cada porção do universo todo o universo, devido à perfeita associação das coisas. Ele é infinitamente mais discernente que Pitágoras que avaliou o peso de Hércules pelo tamanho da pegada do herói. Não deve haver, por isso, dúvida de que os efeitos seguem suas causas de modo determinado, a despeito da contingência e mesmo da liberdade que, todavia, coexistem com a certeza ou determinação.
T.369: “Adão pecou livremente e (…) Deus viu o seu pecado já ao conceber a própria possibilidade de Adão que tornou atual de acordo com o grau de permissão divina. É verdade que Adão estava determinado a pecar em conseqüência de certas inclinações predominantes de sua natureza interna: mas essa determinação interna não destrói quer a contingência quer a liberdade.”
T.396: “E as qualidades (…) ou aquilo que denomino formas de uma substância, assumo como sendo modificações dessa enteléquia primitiva, tanto quanto os formatos são modificações da matéria. É por isso que essas modificações estão perpetuamente em mudanças, enquanto as substâncias simples permanecem.”
T.400: A força dessas provas, que ele [Bayle] louva, não deve ser tão grande como ele imagina, pois, se fosse, provariam muito mais, Elas tornariam Deus o autor do pecado. Admito que a alma não pode mover os órgãos por uma influência física; pois penso que o corpo deve ter sido formado (…).
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