Duas cartas de Leibniz a Sparvenfeld

G.W.Leibniz
Cartas de Leibniz a Sparvenfeld 1
Tradução e notas: Juliana Cecci Silva e William de Siqueira Piauí 2

Carta de 29 de janeiro de 1697

Envio-lhe [junto com essa carta], que você vê, também a passagem do prefácio colocado antes da edição póstuma das Origine francese ou étymologies do falecido Sr. Ménage.3 Foi-me assegurado que o padre Besnier é o autor desse prefácio e o conhecimento que ele obteve com você [Sparvenfeld] o confirma; talvez o que há de mais justo em tal prefácio seja o que diz sobre seu mérito. Pois, no mais, ainda que pareça conter erudição, parece-me igualmente que existem poucas coisas dignas colocadas na apresentação de um livro do Sr. Ménage. A obra Menagianas4 atribuiu a este erudito homem ter dito que Aristóteles escreveu etimologias. O padre Besnier acredita que o Sr. Ménage, ou algum crítico holandês5 em quem ele confiasse, teria corrigido ou considerado mal a passagem de um [autor] antigo que afirmou ter Aristóteles escrito Nomina barbarica Das leis dos bárbaros ) e a teria trocado apenas por Nomina . Como se Nomina fosse encontrado nas versões latinas do que não está senão no grego; ou como se o Sr. Ménage, ou algum crítico holandês, pudesse ser capaz de uma semelhante bobagem. Ele despreza o Etymologicon de Gerard Jean Vossius6 e os trabalhos do Sr. Meninski7, mas, entretanto, fala com ar de estima a respeito de alguns livros italianos e espanhóis que não a merecem nem um pouco8; no que ele mantém a índole de sua nação que tem costume de fazer caso mesmo das bagatelas que vêm da Itália e da Espanha, e facilmente não faz jus àquilo que vem da Alemanha, da Inglaterra, da Holanda ou dos países ainda mais setentrionais. E este padre faz para si uma imagem engraçada ao crer que os etimologistas ingleses ficam tristes com o fato de que a língua deles retira muitas palavras da francesa, enquanto eu sei que os ingleses se vangloriam de ter enriquecido sua língua a partir de pilhagem de muitas outras. Ao falar dos dinamarqueses, ele se engana em lhes atribuir o Magog Arameus ; quanto a isso, ele diz que o autor dinamarquês não lhe é conhecido senão por este título de seu livro o qual ele considera bizarro. No entanto, seu autor é o Sr. Stiernhlelm e não vejo por que este título seja mais bizarro que aquele Phaleg de Borchart9. Enfim, é uma grande pena que o próprio Sr. Ménage não tenha feito um prefácio à sua obra, nós teríamos descoberto aí muitas coisas belas. Este padre Besnier certamente possui muito espírito, mas ele vai um pouco rápido [demais] e lembro-me que quando eu estava em Paris, quando seu projeto impresso de La réunion des langues podia ser visto , o Sr. Huet10 me dizia que tal [projeto] só poderia vir de um aventureiro. […]11

Eu consegui um fragmento da gramática dos tártaros [vinda] da China. Seus caracteres são engraçados, não expressam as coisas como os dos chineses, nem como as nossas letras, mas [expressam] as sílabas de uma maneira bastante singular. Eu gostaria muito de um dia poder aprender mais particularidades das línguas dos povos da Tartária e como elas diferem [da língua] dos siberianos, dos czircasses, dos calmucos, dos mongóis, dos usbeques, e dos lamas da China.12 Asseguraram-me que a língua dos húngaros ainda se encontra perto do mar Cáspio. Quando considero as descrições que os antigos faziam dos hunos e as que os viajantes nos fazem dos calmucos, parece-me que é um mesmo povo. Isso porque tanto a uns quanto aos outros [é atribuído] um rosto achatado e largo e olhos extremamente pequenos, e a localização tem relação da mesma forma.

Eu não sei se a língua dos calmucos tem relação com a língua do Turquestão, como aquela dos tártaros da Criméia, cuja língua, como eu acredito, possui bastante concordância com aquela dos turcos. Se você souber algo a esse respeito, peço-lhe que me diga sua opinião sobre a conexão das línguas.13 No apêndice de sua gramática russa, o senhor Ludolf14 usa a expressão “ buchartzi ”, mercadores mahometanos que vêm desde a Sibéia; acredito que são os usbeques de Bochara. Se é verdade que os calmucos, assim como os mongóis e os tártaros da China, seguem o grande Lama, em matéria de religião, é possível que ainda exista relação [entre] as línguas e as origens desses povos. Se não for apenas o formato e a constituição dos corpos que se encontram diferentes demais entre eles. Lembro-me de ter lido em algum lugar (mas não saberia encontrá-lo)15 que um certo viajante tinha dividido os homens em determinadas tribos, raças ou classes. Ele atribuiu uma raça particular aos samoiedos, uma outra aos chineses e povos vizinhos, uma outra aos negros, ainda uma outra aos cafres e hotentotes. Na América há ainda uma diferença maravilhosa, por exemplo, entre os galibis ou caribes, que têm muito valor e mesmo espírito, e entre aqueles do Paraguai que parecem ser crianças ou colegiais durante toda vida; isso não impede que todos os homens que habitam esse planeta não sejam todos de uma mesma raça que foi alterada pelos diferentes climas, tal como vemos os animais e as plantas mudarem de natureza e se tornarem melhores ou degenerarem.16

Aguardamos uma obra póstuma do padre Thomasin17 da oratória, na qual ele pretende nos fornecer a harmonia das línguas e, ao relacioná-las todas com o hebraico, mostrar que o gênero humano veio todo ele de Adão. É uma grande e bela empreitada essa da [busca pela] harmonia das línguas, mas duvido que esse padre, por mais erudito e trabalhador que ele (seja), tenha conseguido tratar dignamente dessa matéria; atualmente, só conheço você, Sr. [Sparvenfeld], que pode conferir a isso todas as luzes necessárias. Além da erudição e da [capacidade de] julgamento, você fez grandes viagens, conhece as línguas antigas e modernas e sozinho pôde cruzar os [povos] orientais com os do Norte, sem ser influenciado por opiniões ultrajantes {outros}, tais como as de alguns de teus senhores. Eu bem compreendo que seu tempo, seus compromissos de corte e seus afazeres não lhe permitirão realizar um trabalho tão grande quanto o assunto mereceria, mas bastaria que você nos desse um ristretto18 de muitas de suas belas observações e meditações, que forneçam luzes que outros possam seguir.

Hanôver, 29 de janeiro 1697.

Carta de 29 de novembro (?) 1697

Eu gostaria muito de saber o que você acha da língua cantábrica, ou vascona; ela parece bem diferente das outras, dado que a língua do País de Gales e dos pequenos bretões é metade germânica ou no mínimo [metade] céltica. Se seu dicionário harmônico esclavônio19 se parece com uma gramática, eu mesmo me poria a estudá-lo, pois vejo a importância dessa língua.

O Sr. Witsen20 tinha me comunicado que, no que se refere à língua, os usbeques combinam muito com os persas; sabe-se, aliás, que persas e partos são a mesma coisa. E acredita-se que os partos sejam cíticos de origem. O Sr. Witsen me comunicou ainda que os mongóis e os calmucos falam quase a mesma língua. Eu imagino que os permianos siberianos e outros povos semelhantes devem ter línguas próprias, diferentes da russa. Observou-se entre os permianos ou nas proximidades dessas regiões palavras que se aproximam das dos camponeses da Livônia. Isso confirma minha opinião de que os povos, dos lapões até os tártaros situados do outro lado do mar Cáspio, eram de uma raça próxima, à qual é necessário associar os finos, estiones e livônios, permianos, samoiedos etc, e mesmo os húngaros que habitavam entre a Sibéria e o mar Cáspio. Você tem certeza, Sr. [Sparvenfeld], que em sua base a língua dos calmucos e mongóis combina com aquela do turquestão e dos turcos, e que ambas combinam com as dos tártaros e crimeus? Se você possui algumas particularidades a esse respeito peço-lhe que me coloque a par; quanto aos tschircasses, eu tinha imaginado que sua própria língua deveria também diferir da russa como aquela dos czeremisses ao longo do Volga. Também gostaria muito de saber se os búlgaros vindos da Bulgária foram uma raça esclava, ou de uma outra espécie; e na Bulgária moderna encontra-se ainda algum traço de sua antiga língua. Eu tenho um dicionário da língua georgiana impresso em Roma a la propaganda ; essa língua me parece extremamente diferente de todas as outras, exceto por aquilo que a religião e o comércio lhe trouxeram dos gregos e dos latinos. Quanto às outras línguas vizinhas da Ibéria Colchida e, em uma palavra, as dos países entre o mar Cáspio e o Ponto Euxino, não estou nenhum pouco informado. Gostaria que Chardin21, que percorreu esses países, tivesse nos fornecido algumas amostras dessas línguas. Mas é isso que os viajantes raramente fazem. E os antigos o fazem ainda menos. Plínio22, ao dizer que os romanos tratavam dos seus afazeres na Dioscuria ville do Ponto Euxino, graças a cem e tantos outros intérpretes, deveria nos conservar algumas palavras dessas línguas. É também estranho o quanto a língua armênia difere das outras. Há um homem erudito que afirma que ela tem relação com a antiga língua egípcia23. Se isso se verificasse, seria uma bela descoberta […].

Eu vi e folheei o livro de Schriekius Rodornius24, no qual há muita leitura, mas não um julgamento adequado; e ele é estravagante, sobretudo quando explica os nomes próprios das pessoas e lugares a partir do teutão. No entanto, é bem verdade [que a língua] teutônica com frequência expressa muito bem a natureza das coisas e pode ser melhor que a própria hebraica. Observei amostras disso com frequência. L, por exemplo, significa um movimento doce e tranquilo, [daí] lassen lieben leben lied lind lallen wallen wollen ; para nossos camponeses leye é liquescere e está de acordo com o grego luw Solvo , e eles se servem dela para dizer que a neve ou o gelo derrete Solvitur acris hyems . R significa movimento violento, como rinnen rennen rad rauben ruffen Rhenus Rhodanus . Pois o velho céltico e o teutão eram sem muita concordância, e uma boa parte do latim vem, sem dúvida, do céltico, como uma parte do grego vem dos getas e do Ponto Euxino. Seria preciso, primeiramente, estabelecer a partir de uma boa indução a força das letras isoladas e, em seguida, passar às combinações. [A combinação] Sp, por exemplo, significa em teutão alguma penetração ou algo capaz de penetrar, [daí] Spiz, Spiess, Spate, Spada, Spur, Spund, Spliter, spannen, sperren, spalten, Spelta, Spindel, Spinnen.25 Ouvi dizer que Claubergius,26 filósofo erudito cujos escritos sobre a filosofia cartesiana são conhecidos, quis trabalhar em filosofia tendo como base a língua teutônica e que ele mandou imprimir algumas folhas para servir de amostra. Um dos meus amigos27 as possui, mas eu ainda não as vi. Ele teria sido adequado para aprofundar essa matéria. No que diz respeito às vogais, considero como os dois sons extremos, tal como o claro e o escuro na pintura. Aqueles que estão entre os dois são como as cores médias. Como não existe nada sem razão,28 não duvido nem um pouco que quando os homens deram nomes às coisas, eles só fizeram seguir suas paixões e imaginações quando o objeto as excitava e quando não as tinham expressas por sons que tinham relação com isso; imagino que não só Adão29, mas também os outros homens, com frequência, quiseram onomatopoiein30 quando encontravam novos objetos e, embora acredite que muitas palavras vêm de uma língua primitiva, [acredito] que muitas outras tenham sido inventadas a partir do encontro de nações ou raças.

Hanôver, 29 de novembro (?) 1697.

Notas:
1. Apresentamos aqui a tradução de partes de duas cartas do filósofo alemão G. W. Leibniz (1646-1716) ao linguista sueco Johan Gabriel Sparvenfeld (ou Sparwenfeldt, 1655-1727), datadas de 29 de janeiro e (talvez) de 29 de novembro de 1697; a importância dessas cartas está no fato delas comprovarem a busca de Leibniz por evidências para a defesa da sua hipótese de que as origens e conexão das nações podem ser compreendidas a partir das origens e conexões das línguas. Hipótese que motivará não apenas essas, mas muitas outras cartas de Leibniz e, do mesmo modo, como se poderá verificar no decorrer das notas, parte de outros de seus trabalhos, como o Nouveaux essais sur l’entendement humain (doravante N.E. ), de 1704 , o Brevis designatio meditationum de originibus gentium ductis potissimum ex indicio linguarum (Breve plano das reflexões sobre as origens dos povos traçado principalmente a partir das indicações [contidas] nas línguas , doravante Brevis ), de 1710, o De origine francorum (Sobre a origem dos francos), de 1715, dentre outros. Estas obras vêm sendo nosso objeto de trabalho e estudo já há bastante tempo; além de já termos concluído uma tradução dos N.E. , que espera por publicação, recentemente publicamos a tradução comentada do Brevis Kairos Revista de Filosofia & Ciência – Universidade de Lisboa, nº 4, 2012, pp. 119-149). As presentes traduções foram feitas a partir da obra L’Harmonie des Langues , edição apresentada, traduzida e comentada por Marc Crépon. Paris: Éditions du Seuil, Janeiro 2000, carta XVII p. 158 e carta XX p. 163.

2. Juliana Cecci Silva é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Tradução na Universidade de Brasília, Postrad – UnB, e fez seu bacharelado em Letras-Francês pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), e-mail: [email protected]. William de Siqueira Piauí é doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, FFLCH – USP e, atualmente, é professor da Universidade Federal de Sergipe, UFS, e-mail: [email protected].

3. Gilles Ménage (1613-1692) escreveu a obra Origines de la langue française ; publicada em 1650, reeditada dois anos após sua morte com o nome Dictionnaire étymologique de la langue française , a qual foram acrescentados os textos “As origens francesas” de Mr. Pierre de Caseneuve (1591-1652), “Discurso sobre a ciência das etimologias” do padre jesuíta Pierre Besnier (1648-1705) – ao qual Leibniz certamente está se referindo – e uma lista de nomes de santos organizada segundo suas origens pelo abade francês Claude Chastelain (1639-1712). Vale lembrar que, em 1715, Leibniz termina de escrever seu De origine francorum , no qual retoma as críticas que faz aqui.

4. Em 1693, sob a direção de Antoine Galland (1646-1715), é publicada a obra Menagiana , uma espécie de ontologia dos pensamentos de G. Ménage; obra criticada pelo viajante e médico francês Pierre-François Bernier (1620-1688) em sua obra Anti-menagiana , também de 1693. Se não estamos enganados, Leibniz confunde os autores Besnier e Bernier.

5. Não conseguimos saber quem seria esse crítico holandês, mesmo porque, como se verá, nessa época muitos são os autores que desenvolviam esse tipo de pesquisa e poderiam ter feito tal crítica.

6. Gerrit Janszoon Vos ou Gérard Jean Vossius (1577-1649) nasceu em Heidelberg, escreveu as obras Historia pelagiana sive Historiae de controversies quas Pelagius ejusque reliquiae moverunt (1618) e Etymologicum linguae Latinae (1662).

7. François de Mesgnien Meninski (1623-1698) escreveu um Thesaurus linguarum orientalium , publicado em 1680.

8. Sobre quem seriam os autores mais apropriados para tratar das origens das línguas dos espanhóis e dos italianos, cf. Brevis , p. 9 da versão original.

9. Assim como Sparvenfeld, Georg Stiernhielm (1598-1672) era sueco; Stiernhielm ficou conhecido por seus estudos comparativos do gótico e das línguas escandinavas apresentados em sua obra Magog aramæo-gothicus, sive origines vocabularum in linguis paenia omnibus, ex lingua svetica veteri . Leibniz se refere também ao pastor huguenote Samuel Borchardt (1599-1677) que escreveu em dois volumes a obra Geographia sacra seu Phaleg et Canaan , publicada em 1646.

10. Leibniz se refere ao francês Pierre Daniel Huet (1630-1721); Huet participou ativamente no embate conhecido como a Querela dos antigos e dos modernos, ou Querela dos clássicos e modernos, que teve início na Academia Francesa.

11. Em acordo com a coletânea a partir da qual extraímos os originais, o sinal “[…]” marca as partes suprimidas da carta.

12. Não conseguimos saber a que povo se refere “czircasses” (na próxima carta aparecem os termos tschircasses, talvez se referindo ao mesmo povo e czeremisses, que também não conseguimos exatamente a que povo se referem); os “calmucos” são um povo de origem mongólica, também conhecido por mongóis ocidentais, fundaram um império na Ásia central no séc. XV e atualmente habitam regiões da Sibéria, China e Mongólia; os “usbecs”, ou “massagetas”, são um povo da Cítia de origem iraniana que se fixou no nordeste da Europa, entre o mar Cáspio e o mar de Aral. Leibniz também se refere à parte dos habitantes do que hoje chamamos de Tibete (por conta da sonoridade, talvez esteja se referindo ao grupo étnico que hoje chamamos de lhobas ); mais à frente, Leibniz mencionará o “grande Lama”, certamente uma referência a um dos Dalai Lamas que era o líder político e espiritual daquele país.

13. Como dissemos na nota 1, o principal motivo da troca de cartas entre Leibniz e Sparvenfeld se associa à defesa da hipóteses geral segundo a qual a conexão da línguas permitiria compreender a connexion des nations (cf. a carta de Leibniz a Sparvenfeld de 06/12/1699, também já traduzida por nós e que espera ser publicada ainda esse ano na Revista de literatura e pensamento – O mutum (UnB)) . O Brevis será a própria expressão dessa hipótese, pois nele Leibniz vai reafirmar essa tese do seguinte modo: “Visto que as ‘origens dos povos’ [mais] remotos estão para além da História, as ‘línguas’, em seu lugar, são os monumentos dos [povos] antigos”. Nos N.E. , parte do fundamento da unidade das línguas que permitiria compreender a origem comum das nações é expresso do seguinte modo: “não há nada nisto que vá contra ou não favoreça preferivelmente a opinião da origem comum de todas as nações, e de uma língua radical e primitiva. (…) se tivéssemos a língua primitiva em sua pureza, ou conservado o suficiente para ser reconhecível, seria preciso que aí aparecessem os motivos das conexões, sejam físicas, sejam de uma instituição arbitrária, sábia e digna do primeiro autor [Deus]” ( N.E. , livro III, cap. II, § 1). O que significa que a conexão que serve de base para a ligação entre as nações tem um fundamento que compreende as línguas em geral e que, até certo ponto, permitiria pensar que mesmo a diversidade das línguas não foge ao “princípio de razão suficiente” (e veremos Leibniz afirmar mais à frente que “não existe nada sem razão”) e à “harmonia preestabelecida” que parecem estar expressos em uma infinidade de onomatopéias , como será mencionado mais à frente, conservadas nas línguas; trata-se de evidências históricas daquela origem, perdida para a História, das nações e da existência de uma única língua.

14. A obra que Leibniz menciona, Grammatica Russica , foi escrita em latim por Heinrich Wilhelm Ludolf ( 1655-1710) e publicada em 1696.

15. Talvez Leibniz esteja pensando, sem lembrar exatamente, no que afirmava o antropólogo François Bernier, já mencionado mais acima.

16. Podemos perceber aqui marcas da opinião de Leibniz para quem este é “o melhor dos mundos possíveis”; o que também significa que o mundo, com tudo o que ele contém, se encaminha para o melhor. Seria interessante relacionar o modo como Leibniz pensa a história da origem das línguas com os modos como Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) e Charles Darwin (1809-1882) pensaram a história natural, ou melhor, a história da origem e o desenvolvimento das espécies. Vale lembrar que quando escreveu essas cartas, Leibniz já havia escrito ao menos o prefácio de sua obra Protogea , onde ele considerava a pré-história até antes da criação do homem, obra da qual um resumo havia sido publicado nas Acta eruditorum de 1693.

17. Leibniz se refere ao padre francês oratoriano Louis Thomassin d’Eynac (1619-1695), que escreveu a obra Glossarium universale hebraicum e só foi publicada dois anos após sua morte, isso é, em 1697. Sobre a língua de Adão; cf. N.E. , livro II, cap. XXIX, §7, e livro III, cap. II, §1 e cap. VI, §27; Brevis , p. 2 da versão original a Carta a Sparvenfeld de 07/04/1699.

18. Isso mostra que, certamente, Leibniz já tinha em mente escrever algo semelhante, isso é, uma pequena ou breve ( ristretto ) consideração em torno da origem e conexão das línguas e nações, daí o título da obra de 1710 ser Brevis designatio meditationum de originibus gentium ductis potissimum ex indicio linguarum . Na verdade, além das muitas cartas que Leibniz escreveu sobre o assunto, o projeto de escrever sobre esse assunto é mencionado, na fala de Filaleto, no §2, cap. II, livro III, dos N.E.

19. Segundo Marc Crepón ( op. cit. , p. 151, nota 1), a partir de 1695 Leibniz trocou várias cartas com Sparvenfeld; essas trocas devem ter se intensificado após ter terminado a redação dos N.E. , já que lá (especialmente no livro III, cap. I e II) o sueco não é mencionado. Sparvenfeld escreveu um Lexicon Slavonicum , ao qual Leibniz se refere aqui, e fez um famoso mapa da Sibéria; de 1709 a 1712, justamente por seu vasto conhecimento de várias línguas, ele passa a trabalhar para a Academia de Ciências de Berlim na elaboração de um alfabeto universal, talvez a partir de seu Vocabularium Germanico-turcico-arabico-persicum.

20. O holandês Nicolaas Witsen (1641-1717) foi, dentre outras coisas, um dos diretores da Companhia Holandesa das Índias Orientais e, por conta do conhecimento adquirido em suas muitas viagens, fez um mapa detalhado da parte setentrional e oriental da Europa e da Ásia, desde a Nova Zembla (no extremo norte da Rússia) até a China.

21. Jean Chardin (1643-1713), viajante e escritor francês, ficou famoso por narrar em sua obra Voyages de monsieur le chevalier Chardin en Perse et autres lieux de l’Orient suas viagens à Pérsia e ao Oriente no fim do séc. XVII e início do XVIII.

22. Leibniz se refere a Plínio (23-79 d.C.), o velho, que escreveu a famosa enciclopédia Historia natural.

23. Talvez Leibniz esteja se referindo a Andreas Acoluthus (1654-1704), professor de teologia e orientalista alemão, com quem Leibniz se correspondeu. Cf. Brevis , pp. 4 e 5 da versão original.

24. Em 1614, Adrianus Rodornius Scrieckius (1560-1621) publicou a obra Originum rerumque Celticarum et Belgicarum.

25. Em muitas outras cartas Leibniz repete esse tipo de consideração; e faz o mesmo no capítulo II, do livro III, dos N.E. e nas primeiras páginas do Brevis.

26. Leibniz se refere ao filósofo alemão Johannes (ou Johann) Clauberg (1622-1665) que, dentre outros, escreveu uma Logica vetus et nova e um breve ensaio intitulado Ars etymologica teutonum , do qual se trata aqui. Nesse ensaio, o autor anunciava a redação de uma grande obra sobre a língua alemã, o De causis linguae germanicae ; inacabado, o manuscrito dessa obra, do qual se perderam as pistas no início do século XVIII, era composto de cinco volumes.

27. Não conseguimos saber a quem Leibniz se refere.

28. Vide nota 13; quanto ao “princípio de razão suficiente” cf. Monadologia , §32.

29. Leibniz lembra aqui uma discussão importante em sua época: Seria possível a língua de Adão? E como ela seria? Vide nota 17.

30. Criar onomatopéias, cf. o Brevis p. 2 da versão original.