Carta a Nicole Rémond: Apêndice sobre Mônadas (julho de 1714)

G.W.Leibniz

Soube pelo Sr. Hugony que V.Sª está enfrentando algumas dificuldades com as minhas unidades, ou mônadas. Gostaria de saber exatamente quais são essas dificuldades. Tentarei, no entanto, explicar-me.

Acredito que todo o universo das criaturas consiste apenas em substâncias simples, ou mônadas, e em suas combinações. Essas substâncias simples são o que chamamos de “mente” em nós e nos gênios [anjos], e “alma” nos animais. Todas elas possuem percepção (que nada mais é do que a representação da multiplicidade na unidade) e apetite (que é a tendência de uma percepção para outra), chamado de paixão nos animais e de vontade quando a percepção envolve um julgamento intelectual. Não se pode conceber nada além disso nas substâncias simples, e consequentemente, em toda a natureza.

As combinações são o que chamamos de corpos. Nesta massa, chama-se “matéria”, ou melhor, “força passiva” ou “resistência primitiva”, o que nos corpos é considerado passivo e uniforme; entretanto, a força ativa primitiva é o que pode ser chamado de “entelequia”, e nisso a massa é variada. No entanto, todos esses corpos e tudo o que lhes é atribuído não são substâncias, mas apenas fenômenos bem fundamentados, ou fundamentos das aparências, que variam entre diferentes observadores, mas que estão relacionados e provêm da mesma base, tais como diferentes vistas de uma mesma cidade observadas de lugares variados.

Longe de ser uma substância, o espaço nem sequer é algo existente. É uma ordem, como o tempo: uma ordem dos co-existentes, assim como o tempo é uma ordem entre os existentes que não são contemporâneos. A continuidade não é algo ideal, mas o que é real encontra-se nesta ordem de continuidade. No ideal ou contínuo, o todo precede as partes, assim como a unidade aritmética precede as frações que a dividem e que podem ser atribuídas arbitrariamente a ela, as partes existindo apenas potencialmente; mas no real, o simples precede as combinações, e as partes são atuais, existindo antes do todo. Essas reflexões levantam problemas sobre o conceito do continuum, que pressupõe que o continuum seja algo real, tenha partes anteriores a qualquer divisão e que a matéria seja uma substância.

Portanto, não há necessidade de conceber a extensão como um espaço real contínuo, repleto de pontos. Essas ficções são adequadas para agradar à imaginação, mas a razão não encontra nelas qualquer valor. Também não há necessidade de conceber as mônadas como pontos em um espaço real, movendo-se, empurrando-se ou tocando-se mutuamente. Basta que os fenômenos as façam parecer assim, e essa aparência é verídica na medida em que esses fenômenos estão fundamentados, ou seja, estão em acordo. Os movimentos e as interações são apenas aparências, mas aparências bem fundamentadas que nunca são refutadas, como sonhos regulares e duradouros. O movimento é o fenômeno de mudança conforme o lugar e o tempo; o corpo é o fenômeno que muda. As leis do movimento, estando fundamentadas nas percepções das substâncias simples, originam-se de causas finais (ou conveniência), que são imateriais e pertencem a cada mônada. Mas se a matéria fosse uma substância, essas leis se originariam de causas brutas ou de uma necessidade geométrica, sendo muito diferentes.

As percepções e os apetites são as únicas ações das substâncias; todas as outras ações são fenômenos, assim como todas as outras coisas que agem. Platão parece ter compreendido algo a esse respeito, pois considerava as coisas materiais como pouco reais, e os acadêmicos questionaram se as coisas materiais existem fora de nós, o que pode ser razoavelmente explicado ao dizer que elas nada mais são do que percepções, e que obtêm sua realidade da congruência das percepções das substâncias que as percebem. Essa congruência origina-se da harmonia pré-estabelecida dessas substâncias, uma vez que cada substância simples é um espelho do mesmo universo, tão duradouro e abrangente quanto ele é, embora apenas um pequeno número dessas percepções das criaturas possa ser distinto de uma só vez. As percepções diferenciam-se pelas relações ou, por assim dizer, pelas perspectivas dos espelhos, o que faz com que um mesmo universo seja multiplicado de infinitas maneiras por espelhos vivos, cada um representando-o à sua maneira.

Pode-se dizer, assim, que cada substância simples é uma imagem do universo, mas que cada mente é, além disso, uma imagem de Deus, possuindo não apenas o conhecimento dos fatos e das conexões empíricas entre eles, como fazem as almas não racionais (que são apenas empiristas), mas também o conhecimento da necessidade das verdades eternas, entendendo as razões dos fatos e imitando a arquitetura de Deus. Assim, é capaz de entrar em comunhão com Ele e tornar-se membro da cidade de Deus, o estado mais bem governado possível, assim como o mundo é também a estrutura mais perfeita de todas, sendo o mais bem estruturado física e moralmente.

No entanto, temo que esta carta, repleta de pensamentos tão abstratos e distantes das opiniões comumente aceitas, possa desanimá-lo. Nem mesmo gostaria que V.Sª refletisse demais sobre o que escrevi de uma só vez; é melhor retornar a isso com o tempo. Apesar disso, quis mostrar-lhe o quanto valorizo e respeito V.Sª, ao escrever o que dificilmente escreveria para outros. Assim, esta carta deve ser apenas para seus olhos. Muitos outros a considerariam absurda ou ininteligível.