G.W.Leibniz
Soube pelo Sr. Hugony que V.Sª está enfrentando algumas dificuldades com as minhas unidades, ou mônadas. Gostaria de saber exatamente quais são essas dificuldades. Tentarei, no entanto, explicar-me.
Acredito que todo o universo das criaturas consiste apenas em substâncias simples, ou mônadas, e em suas combinações. Essas substâncias simples são o que chamamos de “mente” em nós e nos gênios [anjos], e “alma” nos animais. Todas elas possuem percepção (que nada mais é do que a representação da multiplicidade na unidade) e apetite (que é a tendência de uma percepção para outra), chamado de paixão nos animais e de vontade quando a percepção envolve um julgamento intelectual. Não se pode conceber nada além disso nas substâncias simples, e consequentemente, em toda a natureza.
As combinações são o que chamamos de corpos. Nesta massa, chama-se “matéria”, ou melhor, “força passiva” ou “resistência primitiva”, o que nos corpos é considerado passivo e uniforme; entretanto, a força ativa primitiva é o que pode ser chamado de “entelequia”, e nisso a massa é variada. No entanto, todos esses corpos e tudo o que lhes é atribuído não são substâncias, mas apenas fenômenos bem fundamentados, ou fundamentos das aparências, que variam entre diferentes observadores, mas que estão relacionados e provêm da mesma base, tais como diferentes vistas de uma mesma cidade observadas de lugares variados.
Longe de ser uma substância, o espaço nem sequer é algo existente. É uma ordem, como o tempo: uma ordem dos co-existentes, assim como o tempo é uma ordem entre os existentes que não são contemporâneos. A continuidade não é algo ideal, mas o que é real encontra-se nesta ordem de continuidade. No ideal ou contínuo, o todo precede as partes, assim como a unidade aritmética precede as frações que a dividem e que podem ser atribuídas arbitrariamente a ela, as partes existindo apenas potencialmente; mas no real, o simples precede as combinações, e as partes são atuais, existindo antes do todo. Essas reflexões levantam problemas sobre o conceito do continuum, que pressupõe que o continuum seja algo real, tenha partes anteriores a qualquer divisão e que a matéria seja uma substância.
Portanto, não há necessidade de conceber a extensão como um espaço real contínuo, repleto de pontos. Essas ficções são adequadas para agradar à imaginação, mas a razão não encontra nelas qualquer valor. Também não há necessidade de conceber as mônadas como pontos em um espaço real, movendo-se, empurrando-se ou tocando-se mutuamente. Basta que os fenômenos as façam parecer assim, e essa aparência é verídica na medida em que esses fenômenos estão fundamentados, ou seja, estão em acordo. Os movimentos e as interações são apenas aparências, mas aparências bem fundamentadas que nunca são refutadas, como sonhos regulares e duradouros. O movimento é o fenômeno de mudança conforme o lugar e o tempo; o corpo é o fenômeno que muda. As leis do movimento, estando fundamentadas nas percepções das substâncias simples, originam-se de causas finais (ou conveniência), que são imateriais e pertencem a cada mônada. Mas se a matéria fosse uma substância, essas leis se originariam de causas brutas ou de uma necessidade geométrica, sendo muito diferentes.
As percepções e os apetites são as únicas ações das substâncias; todas as outras ações são fenômenos, assim como todas as outras coisas que agem. Platão parece ter compreendido algo a esse respeito, pois considerava as coisas materiais como pouco reais, e os acadêmicos questionaram se as coisas materiais existem fora de nós, o que pode ser razoavelmente explicado ao dizer que elas nada mais são do que percepções, e que obtêm sua realidade da congruência das percepções das substâncias que as percebem. Essa congruência origina-se da harmonia pré-estabelecida dessas substâncias, uma vez que cada substância simples é um espelho do mesmo universo, tão duradouro e abrangente quanto ele é, embora apenas um pequeno número dessas percepções das criaturas possa ser distinto de uma só vez. As percepções diferenciam-se pelas relações ou, por assim dizer, pelas perspectivas dos espelhos, o que faz com que um mesmo universo seja multiplicado de infinitas maneiras por espelhos vivos, cada um representando-o à sua maneira.
Pode-se dizer, assim, que cada substância simples é uma imagem do universo, mas que cada mente é, além disso, uma imagem de Deus, possuindo não apenas o conhecimento dos fatos e das conexões empíricas entre eles, como fazem as almas não racionais (que são apenas empiristas), mas também o conhecimento da necessidade das verdades eternas, entendendo as razões dos fatos e imitando a arquitetura de Deus. Assim, é capaz de entrar em comunhão com Ele e tornar-se membro da cidade de Deus, o estado mais bem governado possível, assim como o mundo é também a estrutura mais perfeita de todas, sendo o mais bem estruturado física e moralmente.
No entanto, temo que esta carta, repleta de pensamentos tão abstratos e distantes das opiniões comumente aceitas, possa desanimá-lo. Nem mesmo gostaria que V.Sª refletisse demais sobre o que escrevi de uma só vez; é melhor retornar a isso com o tempo. Apesar disso, quis mostrar-lhe o quanto valorizo e respeito V.Sª, ao escrever o que dificilmente escreveria para outros. Assim, esta carta deve ser apenas para seus olhos. Muitos outros a considerariam absurda ou ininteligível.