G.W. Leibniz
Teodoro viajou a Atenas onde lhe foi permitido pernoitar no templo da Deusa. Sonhando, achou-se transportado para um país desconhecido. Lá erguia-se um palácio de esplendor inimaginável e de tamanho prodigioso. A deusa Palas apareceu ao portão, rodeada por raios de ofuscante majestade (…); Ela, tocando a face de Teodoro com um ramo de oliva, que trazia em sua mão, tornou-o capaz de confrontar a divina radiação da filha de Júpiter, e de tudo mais que ela lhe mostrava:
– Júpiter que te ama, disse ela, confiou-te a mim para que pudesse instruir-te. Você vê aqui o palácio do destino, onde eu mantenho guarda e vigilância. Aqui estão as representações não apenas do que acontece, mas, também, de tudo que é possível. Júpiter, examinando-as antes do início do mundo existente, classificou as possibilidades entre os mundos e escolheu o melhor de todos. Ele, às vezes, retorna para visitar esses locais, a deleitar-se com o prazer de recapitular as coisas e de renovar sua própria escolha, que não pode deixar de agradá-lO. É suficiente que eu ordene e veremos todos os mundos que meu pai poderia ter produzido, nos quais estariam representadas todas as coisas que d’Ele poder-se-ia pedir; e desse modo conhecer-se-ia, também, tudo que aconteceria se qualquer possibilidade particular alcançasse a existência. E quando quer que as condições não estejam suficientemente determinadas, haverá tantos mundos diferentes dos outros quanto alguém pode desejar, e que responderá diferentemente a mesma questão, em tantos modos quanto possíveis. Você aprendeu geometria na sua juventude, tal como todo bem instruído grego. Portanto, você sabe que quando as condições de um exato ponto não suficientemente o determina (e há uma infinidade deles), todos caindo naquilo que os geômetras denominam locus, esse locus pelo menos (o que é freqüentemente uma linha) será determinado. Assim, você pode imaginar por si mesmo uma sucessão ordenada de mundos, que conterá cada um e todos os exemplos que estão em questão e variará suas circunstâncias e suas conseqüências. Mas, se você supuser um exemplo que difira do mundo atual apenas por uma única coisa específica e em seus resultados, um desses determinados mundos apresentar-se-á a você. Esses mundos estão todos aqui, isto é, nas idéias. Eu lhe mostrarei alguns, nos quais encontrará, não exatamente o mesmo Sextus como você o conhece (isso não é possível, ele traz com ele sempre aquilo que ele será), porém, muitos Sextus a ele semelhantes, possuindo tudo aquilo que você já conhece do verdadeiro Sextus, mas, não aquilo que nele já imperceptível, nem em conseqüência daquilo que a ele acontece. Você encontrará em um mundo um Sextus muito feliz e nobre; em um outro, um Sextus satisfeito com um estado medíocre; um Sextus, de fato, de muitos tipos e de diversidade infinita de formas.
Em seguida, a Deusa conduziu Teodoro a um dos cômodos do palácio. Quando ele lá chegou, tal cômodo não mais era um salão, mas, um mundo… Ao comando de Palas, surgiu a visão da cidade de Dodona com Sextus saindo do templo de Júpiter. Ele afirmava que iria obedecer e ser fiel ao Deus; dirigiu-se a uma cidade situada entre dois mares, semelhante a Corinto. Lá adquiriu um pequeno jardim; cultivou-o, encontrou um tesouro e tornou-se homem rico, desfrutando de afeição e estima; faleceu em idade avançada, amado por toda a cidade. Teodorus viu toda a vida de Sextus de um único golpe de vista e tal como em uma representação teatral. Havia um grande volume de escritos neste aposento: Teodorus não pôde abster-se de perguntar o que significavam.
– É a história desse mundo que agora visitamos, disse-lhe a deusa. Esse é o livro dos destinos. Você percebeu um número na fronte de Sextus? Procure nesse livro o lugar que a ele corresponde.
Teodorus procurou e lá encontrou a história de Sextus em forma mais ampla do que o esboço antes visto.
– Coloque seu dedo em qualquer linha que deseje, disse-lhe Palas, e você irá encontrar representado realmente em todos os seus detalhes aquilo que a linha indica claramente. Ele obedeceu e viu representadas todas as características de uma parte da vida daquele Sextus.
Passaram, então, a uma nova sala, um outro mundo, um outro Sextus, que, saindo do templo e tendo decidido obedecer a Júpiter, foi para a Trácia. Lá desposou a filha única do rei. Ele o sucedeu e é adorado por seus súbitos. Passaram para outras salas e sempre viam novas cenas.
As salas erguiam-se em uma pirâmide, tornando-se mais belas enquanto elevavam-se para o ápice e representando mundos mais belos. Finalmente, alcançaram o mais alto e mais belo de todos: pois a pirâmide possuía um início, mas, não se podia ver seu fim; possuía um ápice, mas, nenhuma base; prosseguia ao infinito. Isso, como a deusa explicou, porque entre um número infinito de mundos possíveis há o melhor de todos, senão Deus não determinaria criar nenhum; mas, não há qualquer um que não tenha, também, mundos menos perfeitos abaixo de si: por isso a pirâmide decresce ao infinito.
Teodorus, entrando nessa sala superior, entrou em êxtase; teve que receber o auxílio da deusa: uma gota de líquido divino, colocada em sua língua, o restabeleceu:
– Estamos no mundo verdadeiro e real, disse-lhe a deusa, e você está na fonte da felicidade. Contemple o que Júpiter pôs em ordem para você, caso venha a continuar a servi-lO fielmente. Aqui está o Sextus como ele é e tal como será na verdade. Ele sai do templo, em fúria. Desprezando os conselhos dos deuses. Você o vê indo a Roma, criando confusão por toda a parte, violando a esposa de um amigo. Ali ele caminha com o pai, abatido e infeliz. Se Júpiter tivesse colocado aqui um Sextus feliz de Corinto ou o herdeiro do rei da Trácia, não mais seria esse mundo. E, todavia, Ele não poderia ter deixado de escolher esse mundo, que excede em perfeição todos os outros e que forma o ápice da pirâmide. Além disso, tivesse Júpiter renunciado à Sua sabedoria, Ele teria me banido, a mim, Sua filha. Você vê que meu pai não fez Sextus cruel; ele assim já o era desde a eternidade, ele sempre o fora, e livremente. Meu pai apenas conferiu-lhe a existência; a Sua sabedoria não poderia deixar de incluir, neste mundo, este Sextus. Ele o fez passar da região dos possíveis àquela das coisas atuais. O crime de Sextus serviu para grandes coisas: ele tornou Roma livre; nascerá daí um grande império, que demonstrará nobres exemplos à humanidade. Mas, isso nada é em comparação com o valor desse mundo como um todo, com cuja beleza você maravilhar-se-á, quando, após uma feliz passagem desse estado mortal para um outro e melhor, os deuses te capacitarem a conhecer.
Nesse momento Teodorus acordou e agradeceu à deusa, reconhecendo a justiça de Júpiter. Seu espírito impregnado pelo que havia visto e ouvido, levou avante o ofício de Sumo Sacerdote, com todo o zelo de um verdadeiro servo do deus e com toda satisfação de que um mortal é capaz.
Fonte: GERHARDT, C.I. (org.) Die Philosophischen Schriften von Leibniz. 7 vols. Hildesheim: Olms. 1977